Notícias

Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 20/08/2020 - Notícias

G1: 'Padrão mínimo de qualidade' para escola pública no Brasil é centro de debate na votação do Fundeb no Senado

Biblioteca, banheiro e saneamento na escola podem ser parâmetros para o CAQ (custo aluno qualidade), diz senador que é o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

G1: 'Padrão mínimo de qualidade' para escola pública no Brasil é centro de debate na votação do Fundeb no Senado
Sessão da Câmara que aprovou novo Fundeb, em julho — Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

O Senado tem na pauta desta quinta (20) a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que cria o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). No centro das discussões, está o CAQ (custo aluno qualidade). As siglas significam, na prática, um conjunto de definições cruciais para o futuro do financiamento da educação brasileira. Para entender o que está em jogo, o G1 explica as principais questões do tema:

O Fundeb serve pra quê?

O fundo foi criado para garantir que os recursos cheguem à educação. Funciona como uma espécie de "pote de dinheiro" destinado exclusivamente às escolas públicas de educação básica (creches, pré-escola, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação especial e educação de jovens e adultos). Os recursos vêm de impostos e tributos que, por lei, devem ser aplicados ao desenvolvimento do ensino.

A ideia é evitar a desigualdade e distribuir o dinheiro para garantir um valor mínimo investido por aluno, igual a todos os estados. Assim, estados mais pobres podem receber complementação da União e garantir que seus estudantes terão o mesmo ponto de partida, as mesmas condições básicas de aprendizagem se comparado a outros estados.

A estimativa é que, de cada R$ 10 investidos na educação básica no Brasil, R$ 6 vêm destes recursos. No ano passado, o Fundeb reuniu R$ 166 bilhões em verbas – R$ 151,4 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15,14 bilhões da União.

Por que o Senado está votando o Fundeb?

O Fundeb foi criado em 2007 na condição de temporário e "vence" no fim de 2020. A ideia agora é torná-lo permanente, incluindo na Constituição – por isso o texto tramita como uma PEC (proposta de emenda à Constituição).

O documento foi aprovado na Câmara dos Deputado em 21 de julho. Nesta etapa, um dos principais embates foi o aumento da participação da União, que era de 10%. Após muitas discussões, os deputados conseguiram aprovar um percentual maior, que chegará a 23% em 2026 (leia mais abaixo). O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a aprovação da PEC "fazia história" e comentou que o aumento da participação da União no fundo era "investimentos nas crianças e no futuro de tantos".

Por se tratar de uma mudança na Constituição, foram necessários dois turnos de votação na Câmara. No Senado também terá de passar por duas votações.

A participação da União aumentou?

Os recursos do Fundeb vêm de uma cesta composta por fundos e impostos, estaduais e municipais. A partir da definição desse montante, a União entra hoje em dia com 10%. Pelo novo texto, esse percentual do governo federal nos recursos usados para a educação sobe para 12% no ano que vem e vai gradativamente até 23%, em 2026. Veja no gráfico:

 — Foto: Arte/G1

A participação federal é usada para ajudar estados e municípios cuja arrecadação resultou em um valor por aluno abaixo do mínimo nacional. No ano passado, nove estados precisaram receber essa complementação: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.

Com as novas regras o investimento por aluno passa dos atuais R$ 3,7 mil para R$ 5,7 mil em 2026. Cidades pobres em estados ricos também receberão mais recursos. Antes, a transferência não ocorria justamente porque estavam em estados com alta arrecadação.

Como o MEC participou das discussões sobre o novo Fundeb?

O ministério, na gestão de Abraham Weintraub, defendia que o percentual a cargo do governo federal fosse até 15%, subindo um ponto percentual por ano. Integrantes do Ministério da Economia expressaram oposição a qualquer índice acima disso.

Weintraub afirmou que a proposta da Câmara “tecnicamente apresenta alguns erros, não tem nosso apoio. (...) Temos pouco menos de um ano e meio para buscar uma solução para o problema. Tem vários aspectos técnicos que apareceram, sem a gente estar ciente. Nos surpreendeu. Nós somos contra”.

O governo se absteve das discussões durante a tramitação na Câmara, mas três dias antes da votação, apresentou uma proposta que previa Fundeb só em 2022 -- deixando um vácuo de um ano sem que houvesse previsão de financiamento da educação. A proposta não avançou.

G1 entrou em contato com o MEC na terça (18) e na quarta (19) pedindo um posicionamento sobre o tema, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

O que é "valor por aluno"?

O "valor por aluno" é o mínimo investido em cada estudante em todo o Brasil. Atualmente, é de R$ 3,7 mil ao ano e passará a R$ 5,7 mil com as alterações aprovadas na Câmara.

Além disso, a redação do novo Fundeb traz mais um conceito, que é o "custo aluno qualidade" conhecido como CAQ, previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014. O CAQ cria parâmetros de financiamento baseado em qualificação dos professores, remuneração, aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino, compra de material escolar, alimentação e transporte.

Pela lei quais seriam os critérios para definir o CAQ?

O texto que tramita no Senado não define critérios sobre o CAQ e prevê a regulamentação em uma lei complementar. O relator da PEC no Senado, Flávio Arns (Rede-PR), explica que “muitos estudos indicam o que é uma educação de qualidade. Quando se pergunta o que uma escola tem que ter, todos concordam: precisa ter biblioteca, banheiro, saneamento". Segundo Arns, "quem vai definir o que estará no CAQ é o Congresso Nacional, na discussão da lei complementar”.

Quais são as visões sobre o CAQ?

Críticos dizem que ele pode virar uma “lista de insumos” necessários à escola (número de alunos por sala, quadra poliesportiva etc) sem levar em conta as diversidades do Brasil.

Para Binho Marques, educador e ex-secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC, mais recursos não significam mais qualidade: “Uma biblioteca não significa que a criança vai ler. Você pagar bem o professor não significa que ele vai ensinar bem”, analisa. Para ele, “o Brasil é tão populoso e diverso que o ‘padrão de qualidade’ não pode ser uma ‘qualidade padrão'".

Os defensores argumentam que o conceito é importante para garantir o mínimo de dignidade, como evitar que escolas fiquem sem banheiros, por exemplo. Outro argumento é que ele evitaria desvios, como pagar servidores da educação e alocá-los em outras áreas da administração municipal ou trocar os pneus de toda a frota da prefeitura - mas com o dinheiro que formalmente é só para o transporte escolar.

Na visão de Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, "o CAQ tem sido muito atacado porque acaba com as barganhas políticas na educação e aumenta a gestão e controle” sobre os recursos para a educação.

Como anda a infraestrutura das escolas?

Quatro a cada dez escolas do Brasil (39%) não dispõem de estrutura básica para a lavagem de mãos, 26% não têm acesso a abastecimento público de água e quase metade (49%) não têm acesso à rede pública de esgoto. Mais de 10 milhões de brasileiros acima de 15 anos ainda são analfabetos e 52% das pessoas com mais de 25 anos não concluiu o ensino médio.

O que acontece caso o Fundeb deixe de ser votado?

Caso o Senado não aprove o texto como está, ele volta para debate na Câmara. Com a aproximação das eleições municipais, e o afastamento de parlamentares, há risco de que o ano termine sem que haja uma lei substituta ao financiamento da educação.

“Tornar obrigatório o investimento em educação básica em meio à crise fiscal é um ponto de partida para a mudança de percepção da sociedade, para ter um norte de evolução. A gente começa a mostrar que não vamos sair desta crise se não for pela educação, defende Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo.