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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 05/02/2020 - Notícias

A educação oprimida

Perspectivas de privatização e teocratização ameaçam setor

Em 2019, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, propôs o programa Future-se, que induz as universidades públicas a se abrirem à iniciativa privada. O Future-se promete não cobrar mensalidade dos alunos e alunas. No entanto, ao permitir o investimento privado, vincula as universidades públicas aos interesses das instituições que injetam seu dinheiro ali.

No futuro de Future-se, os temas das pesquisas, as contratações de docentes, as decisões administrativas, tudo dentro das universidades “públicas” estará submetido ao interesse de quem paga. Não demorará para cobrarem mensalidade. E o público, em alguns anos, se tornará privado.

Nem só economicamente atua a privatização da educação no governo Jair Bolsonaro. No âmbito das pautas morais, a privatização também assume protagonismo. A ministra Damares Alves, em uma de suas primeiras iniciativas no cargo, propôs a regulamentação da educação domiciliar.

A pauta do homeschooling tem como principal reivindicação trazer a tarefa educacional para o núcleo privado da família. Trata-se de um movimento de buscar refúgio no mundo privativo, em uma tentativa de garantir a prática e disseminação de valores de determinados grupos, fechando-se, assim, à pluralidade do debate público e democrático. 

A educação domiciliar vem à tona em um momento em que movimentos sociais despontam na América Latina, como o "Con mis hijos no te metas", que reivindica a retirada do debate de gênero e sexualidade das escolas. Novamente, vemos o tema da educação sendo trazido para o âmbito privado e familiar, alijando o Estado de tal debate.

Esse movimento encontra similaridade no Brasil. Vale lembrar que o Escola Sem Partido —que segue incutido na mentalidade— foi proposto inicialmente nas esferas municipal e estadual do Rio de Janeiro por Carlos e Flávio, filhos de Bolsonaro. Jair já fez vários acenos para a retirada do debate de gênero dos planos curriculares, mesmo com dados explícitos de que a maioria das violências sexuais ocorre dentro do núcleo familiar, o que por si só já seria suficiente para evitar que o tema ficasse somente na esfera da família.

A privatização moral aqui está alicerçada em outro valor: a perspectiva de teocratização. A visão plural de gênero proposta no debate público desagrada grupos religiosos tradicionais. Não é segredo que a religiosidade cristã tem sustentado políticas educacionais neste governo.

Recentemente, Bolsonaro nomeou para presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) o então reitor da Universidade Mackenzie, Benedito Guimarães Aguiar Neto.

A nomeação de Aguiar Neto comprova a perspectiva de privatização, já que ele está ligado a uma instituição de ensino superior privada. Além disso, reforça a perspectiva religiosa, pois o ex-reitor defende abertamente que a teoria do design inteligente —uma roupagem aparentemente científica para o criacionismo religioso— possa ser uma alternativa à teoria da evolução.

Não sou partidária de fecharmos o debate e só apresentamos aos alunos e alunas “até aqui, porque ali não é ciência”. Não. No entanto, é preciso reconhecer, saber identificar e informar adequadamente o que parte de uma lógica científica ou de uma lógica religiosa. O problema está na sobreposição de narrativas e papéis. A privatização e a teocratização na educação têm mostrado recursos para quem entende a democracia e a pluralidade como ameaças.

Clarissa De Franco

Psicóloga e doutora em ciência das religiões com pós-doutorado em estudos de gênero

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/02/a-educacao-oprimida.shtml