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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 25/01/2021 - Notícias

Folha: Esquerda precisa sair da bolha e dialogar com direita na educação, diz professor

Para Gregório Grisa, resistência à EAD no início da pandemia atrapalhou planejamento de escolas

Folha: Esquerda precisa sair da bolha e dialogar com direita na educação, diz professor

Com forte presença em sindicatos e em parte da academia, segmentos da esquerda ligados à educação resistiram ao ensino remoto no início da pandemia do coronavírus e, agora, grande parte opõem-se à retomada das aulas presenciais.

Para o professor Gregório Grisa, esse campo político tem se isolado cada vez mais no debate educacional e precisa dialogar com setores de direita e centro-direita se quiser contribuir para mudanças efetivas na área.

A crítica vem de dentro. Docente do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, mestre e doutor em educação pela UFRGS (federal do RS), com pós-doutorado em sociologia pela mesma universidade, Grisa se define como alguém de centro-esquerda.

Em recente artigo, ele defendeu a necessidade de uma autocrítica no campo progressista, que definiu como constituído de grupos mais à esquerda.

Esse olhar para dentro, em seu entendimento, seria vital para entender como movimentos como o Escola Sem Partido ganharam respaldo no país e por que ONGs empresariais têm tomado da academia e de outras entidades educacionais o protagonismo no debate público da área.

“A posição de provocador nem sempre é confortável, mas reputo necessário que a esquerda ou centro-esquerda oxigene suas práticas e premissas na educação”, disse em entrevista à Folha. "Temos dificuldade para olhar os nossos dogmas e identificar nossas responsabilidades em todo o processo histórico recente.”

O senhor fez recentemente um texto com “uma provocação ao campo progressista na educação”. Como viu o posicionamento desse campo em relação à educação na pandemia?
No início da pandemia, o debate central era ofertar ensino remoto ou não, depois a necessidade de fazê-lo se tornou imperiosa. Em maio de 2020, já afirmei que os setores que se agarravam ao princípio da igualdade de acesso para que nada fosse oferecido estavam cometendo uma injustiça com os mais pobres. Também defendi que a escola é um cinturão de proteção social que deve se manter ativo.
A longa duração da inatividade das escolas estava no horizonte, e já eram claros os indícios de que o governo federal não iria liderar nenhuma coordenação para o retorno delas e que teria grandes dificuldades em combater a doença.
Penso que a resistência inicial com a oferta de ensino remoto por parte de alguns grupos do campo progressista inibiu, em alguma medida, a capacidade de planejamento de escolas e redes em relação ao que era possível fazer. Com o passar do tempo isso foi mais bem contornado. Por outro lado, me filio às exigências de que para garantir segurança e cumprir protocolos sanitários é necessário recursos extras e priorização política para a educação.

De que forma a resistência inicial à oferta de ensino remoto inibiu a capacidade de planejamento?
Quando me refiro à resistência inicial, falo tanto do sentimento de que o fechamento das escolas não iria durar tanto e que se poderia aguardar um tempo sem atividades, quanto da resistência inicial fundada na tese de que ofertar atividades remotas poderia ferir alguma isonomia. Enquanto ficamos debatendo à exaustão questões conceituais, o tempo foi passando, e o planejamento foi afetado.
Mas não se pode confundir essa crítica com qualquer culpabilização dos professores em relação à qualidade da oferta do ensino remoto. Esses profissionais tiveram de se reinventar e viram seus trabalhos se precarizarem. Não pode ser assim.

Sindicatos de professores que, no início da pandemia, eram contra o ensino EAD, hoje também se opõem à volta às aulas presenciais. No caso de São Paulo, pregam a volta só após a vacinação da população, o que deverá levar meses. Como vê essa postura?
É difícil comentar sobre um estado ou cidade em específico. Os sindicatos são plenos de direitos para tomarem suas posições e ações políticas, algo absolutamente legítimo. Minha posição é de que é fundamental empreender todos os esforços para que as escolas de educação básica reabram o quanto antes, em segurança. Há regiões em que a situação para janeiro ou fevereiro será muito complicada, entretanto, há contextos em que se pode começar a retomada, com revezamento e inicialmente de forma híbrida.
A experiência de vários países demonstra que a reabertura das escolas não causou um aumento significativo do contágio, o desafio é garantir os protocolos e isso não pode ser pensado sem envolver toda a comunidade escolar.
Profissionais no grupo de risco devem ser preservados e os professores devem estar entre os primeiros a serem vacinados.
Minha posição também decorre da não idealização do isolamento social por parte dos estudantes, em especial os mais pobres. Essas crianças e jovens estão sujeitas ao vírus, infelizmente. Se garantirmos distanciamento social na escola, mais atividades ao ar livre, em espaços ventilados, com EPIs, teremos os profissionais preservados também.

O senhor cita a escassez de pesquisas com evidências empíricas e estatísticas na área educacional. Acrescento que os economistas parecem ter ganhado espaço nessa área. Por que isso ocorre? A formação dos pesquisadores da área educacional é falha? Há preconceito com métricas?

Não se trata de a área educacional ter uma formação falha para a pesquisa, mas de ela priorizar em demasia as dimensões principiológicas, políticas, ensaísticas, teóricas. Essas abordagens constituem o campo e são importantes, mas a realidade vem demandando que se ampliem as pesquisas empíricas que aliem métodos qualitativos aos quantitativos, que sejam longitudinais e façam mais avaliações dos resultados práticos das ações e políticas educacionais. A cultura de produzir pesquisa nesses moldes parece ser mais disseminada no campo da economia e o protagonismo dos profissionais dessa área no debate educacional também se deve a isso, afora o maior prestígio social e uma maior circulação desses profissionais nas instituições políticas e na própria imprensa.
Vale dizer que há sim pesquisas na educação que recorrem a metodologias calcadas em estatística, mas não é a regra. Não diria que existe um preconceito generalizado em relação a métricas, mas o fato de metodologias quantitativas não terem tanto espaço na formação faz com que elas sejam vistas como ferramentas “de outras áreas”. Há o elemento político também, quando se fala em métricas, muitos as remetem a “testes padronizados”, “rankings” a uma espécie de “medição” do que é a aprendizagem. Alguns setores não simpatizam com essas avaliações sob o argumento de que elas não abarcam a complexidade dos fenômenos educativos. Realmente elas têm muitos limites, mas são ferramentas importantes.

Quais as consequências para a esquerda dessa postura mais reativa em relação à educação no debate público?
A consequência é ficar cada vez mais ensimesmada, crendo se fortalecer em círculos em que já tem hegemonia. Por basicamente dois motivos a esquerda não pode tomar a educação como uma pauta em que apenas ela pode dar as cartas. O primeiro é que a população brasileira não é de esquerda em sua maioria. Pesquisas de opinião que aferem as preferências das pessoas em relação aos costumes e temas morais mostram como o brasileiro tem um perfil conservador. O segundo é que, se pensarmos nas recentes eleições municipais, a gestão educacional brasileira (educação infantil e ensino fundamental) está, na ampla maioria dos casos, nas mãos de partido de direita ou de centro-direita. Prefeitos do PSDB vão governar o maior número de habitantes, pois venceram nas grandes cidades. Não há como pensar em incidir na melhoria da educação pública sem um amplo e perene diálogo com estes setores políticos. Em tempos de debate sobre “frente ampla”, resta evidente que nenhuma corrente ideológica conseguirá governar o país de forma unilateral, sem fazer política e compor. Para angariar a confiança das pessoas e de fato modificar o padrão de financiamento e de qualidade da educação, teremos de tornar essa uma pauta da maioria das forças políticas, para além do discurso

No início de novembro, governo do estado de SP autorizou aulas presenciais para alunos do ensino fundamental médio nas escolas publicas e privada. Na foto, a Escola Estadual Professor Milton da Silva Rodrigues, na Freguesia do Ó; com a alta de casos e mortes, estado regride para a fase amarela, o que levará comércios e serviços a funcionar menos horas por dia. Mas o governo estadual não mudou a orientação para as escolas. No entanto, a decisão final cabe aos municípios, e somente 219 de 645 seguiram a orientação Rubens Cavallari/Folhapress

Para dar alguns exemplos, divido as pautas em estruturais e curriculares. Entre as estruturais, uma pauta que deveria ser de todos, mas que a esquerda destaca com mais frequência, é a qualificação das condições de trabalho dos professores e da infraestrutura das escolas. A lei do Piso Salarial do Magistério prevê que o docente tem direito de que um terço da composição da sua carga horária seja dedicada para planejamento, estudos e correções das avaliações. Isso muitas vezes não é respeitado, a sobrecarga de horas aula é comum em muitas redes.

Com o advento de um Fundeb mais equitativo e com recursos adicionais nos próximos anos, é importante que as gestões encampem a ideia de que as escolas devem ser espaços dignos, com instalações minimamente descentes. O gargalo brasileiro em termos de infraestrutura é enorme, e no debate sobre a regulamentação do CAQ (Custo Aluno Qualidade) teremos a oportunidade de mexer no desenho e no padrão de financiamento da educação básica.

A formação continuada garantida de forma qualificada e frequente é outra pauta que pode ser construída junto às diferentes gestões do país.

Cito também o atendimento à primeira infância com a garantia de creche de qualidade, em especial para a população mais vulnerável.

Entre as pautas curriculares, uma importante é a real implementação da Lei 10.639/2003 [sobre ensino de história e cultura afrobrasileira] e das Diretrizes Curriculares das para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Embora a esquerda tenha uma voz mais ativa em relação a essa questão, penso que se trata de pauta transversal. E cito ainda o respeito à liberdade de cátedra dos professores, a garantia de autonomia das redes e escolas para definirem suas metodologias, seus projetos e, principalmente, a parte diversificada do currículo. Vivemos um tempo em que tais garantias são pautas legítimas do campo progressista e elas devem ser respeitadas pelas gestões locais e regionais.

De que forma o isolamento da esquerda no debate educacional está ligado à receptividade de ideias como as do movimento Escola Sem Partido no Brasil?
Antes de mais nada é importante registrar que esse movimento merece todas as derrotas que já sofreu no STF, que praticamente o soterrou do ponto de vista jurídico. As causas pelas quais parte da sociedade simpatiza ou apoia movimentos como esses são várias, não pretendo entrar nesse particular. O que posso comentar é que, quando me deparo com formações e debates educacionais constituídos de falas unívocas, por vezes panfletárias, que misturam a fala do sindicato com o da atividade que deveria ter um caráter técnico ligado a profissão, penso que isso pode ter favorecido a receptividade dessas ideias pela população. Inúmeras vezes percebi a comunidade escolar saturada dessas experiências. O desafio da esquerda parece ser, além de tentar compreender as razões políticas e sociológicas que permitiram a eclosão de um conservadorismo autoritário, o de identificar como sua postura pode ter contribuído para isso. Como sair da bolha adotando narrativas que só fazem sentido para a bolha? Como deixar de pregar para convertidos se é exatamente o que é feito nos debates da área?

Agora queria propor um olhar sobre outro lado, o das ONGs e institutos de educação ligados ao empresariado e ao setor financeiro, que costumam ser vistos com desconfiança pela esquerda. Elas costumam apresentar seu trabalho como baseado em evidências. É possível existir um olhar meramente técnico, e não político, sobre as evidências? Essa postura também não interdita o debate, no sentido de que quem defende outra posição seria obscurantista?
Esse mantra do “baseado em evidências” já soa como caricato para mim. Ninguém é dono das evidências, elas têm seus contextos e condicionantes, estão sujeitas a interpretações. O que existe são resultados que vão se consolidando com o tempo e dados que mostram que determinada medida irá provocar essa ou aquela externalidade.
O adequado é que aqueles grupos que defendem seu argumento com as melhores evidências prosperassem no debate público, isso ocorreu no debate do Fundeb, mas em política não é sempre assim. Essa reivindicação das “evidências” tem em si um elemento estético e de linguagem também. Quanto mais você se apresenta dotado dos elementos usados nas áreas de prestígio das ciências, mais aceito e escutado você é.
A educação é permeada pela política, como tudo. A gestão educacional é um processo complexo de trabalho coletivo que requer, entre outras coisas, o convencimento dos atores que estão na ponta. Mas a educação é permeada pela técnica também. Gestões que alcançam resultados satisfatórios são aquelas em que a maioria dos docentes se sentem capacitados para exercer seu trabalho e identificam que seus esforços, individuais e coletivos, produziram bons resultados.
Entre as entidades privadas é preciso fazer distinções também. Muitas estão alinhadas a interesses específicos sim, de abertura de mercado para determinados grupos econômicos; já outras defendem determinada perspectiva por realmente terem aquela visão programática e política. Mas dialogar com as “ONG empresariais” é tido como sacrilégio para alguns grupos de esquerda.