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Autor: Ascom Adufg-Sindicato
Publicado em 03/12/2021 - Notícias
Artigo: Jabuticabas, precatórios e o calote anunciado nos credores da União
Artigo escrito pelo advogado Elias Menta
O Brasil, dentre outras inúmeras singularidades, possui a deliciosa fruta, originária da Mata Atlântica, conhecida como jaboticaba como um dos frutos que são típicos de nosso fértil solo. Infelizmente, não só encontramos no nosso fértil solo tais delícias, sendo fato que uma das invenções do nosso País, que se diga de passagem bem indigesta, é a forma como se pagam os credores do poder público, em especial por meio dos precatórios.
Interessante que tal forma de pagamento aos credores do poder público, totalmente diferente da forma como qualquer cidadão paga o poder público caso seja seu devedor, é exótica e comumente se tem que explicar a colegas estrangeiros tal arranjo, assim como alguns colegas de outros países estranham também o fato de termos um tipo de processo que cuida da execução, eis que em outras nações é natural que após a condenação, simplesmente o devedor efetue o pagamento dos valores reconhecidos.
Importante relembrarmos que os precatórios foram uma criação lançada e disciplinada na Constituição da República em 1934 e em pleno Estado Novo, na mesma Constituição de 1937 que Vargas consolidou seu poder, fora mantida. Nas Constituições de 1946 e 1967, esta última em plena ditadura, a previsão foi conservada, ampliada e fortalecida, vindo a ser consolidada no art. 100 da Constituição cidadã de 1988, vigente nos dias atuais.
Tendo em mente de onde vem a criação, outro fato digno de nota é que os credores de Estados e Municípios que se enquadram na modalidade de recebimento por precatórios, que são a forma de se pagar valores superiores a determinado número de salários mínimos, já experimentam todas as agruras de, após anos e anos de um processo judicial, ter que entrar em uma fila em que o pagamento é realizado de forma bastante morosa, sendo que em vários casos o tempo para pagamento supera, inclusive, o tempo de duração do processo judicial.
No plano federal, os precatórios são as dívidas que superam 60 salários mínimos e, mesmo que se trate de um valor econômico relevante, é comumente alcançável, principalmente se pensarmos que bastaria, por exemplo, uma pessoa que teve reconhecido o direito a uma aposentadoria de um salário mínimo ter um processo que dure cinco anos ou alguém que foi exitoso em um processo que reconheceu sua aposentadoria de dois salários mínimos tenha um processo que dure 2,5 anos, algo usual nos dias atuais.
Sabendo de tudo isso, propõem a PEC 23/2021, nominada de PEC dos precatórios, a retirada de parte dos valores já reconhecidos por sentenças judiciais transitadas em julgado, ou seja, que não são passíveis de recurso, e que seriam pagos no ano que vem (2022) totalizando o montante aproximado de noventa bilhões, a implementação de limitante no pagamento (teto) a um valor que não representa sequer a metade do montante já reconhecido como devido e inscrito, rolando esta diferença da dívida para o ano seguinte. No ano seguinte, se pagará o restante da dívida rolado, mais o que foi gerado para aquele ano, novamente limitado ao teto de aproximadamente 40 bilhões, o que gerará mais valores a serem rolados para o ano seguinte em um efeito conhecido como “bola de neve”.
Ano após ano esse valor que ficará para ser pago tende a se tornar ainda maior, se gerando um enorme passivo que foi estimado em estudo técnico da Câmara dos Deputados na monstruosa quantia de 1,8 trilhão de reais para 2036, que evidencia a impossibilidade total do seu adimplemento, o que inevitavelmente tende a chegar no puro, não desejável e simples calote.
A dificuldade no recebimento pelos credores da união tem o condão, ainda, de impulsionar e fortalecer um mercado bilionário em que os credores que estão ou estiverem em dificuldades serão obrigados a transacionar os valores que possuem com agentes financeiros, recebendo fração dos valores que teriam direito, gerando lucros e dividendos para o mercado financeiro.
Neste contexto, se espera que o Senado possa fazer uma reflexão sobre os caminhos e principalmente os atingidos com a medida, evitando de se institucionalizar o calote, oportunidade salutar para pensar na revisão deste modelo exótico de pagamentos de débitos da união, para que tenhamos orgulho apenas de questões típicas da nossa nação como a jabuticaba.
Elias Menta é advogado e assessor jurídico do Adufg-Sindicato