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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 06/04/2023 - Notícias

"Novo Ensino Médio pode aumentar as desigualdades na formação dos alunos", avalia diretor de Políticas Educacionais da Proifes-Federação

O Ministério da Educação (MEC) determinou a suspensão do cronograma de implementação do Novo Ensino Médio pelo prazo de 60 dias. A portaria foi publicada na quarta-feira (05/04), no Diário Oficial da União. O prazo da suspensão é equivalente ao que resta para a conclusão de uma consulta pública aberta em março pelo Governo Federal para rediscutir a reforma, que está sendo analisada por uma comissão do próprio MEC.

Para entender um pouco mais sobre o assunto, o Adufg-Sindicato conversou com o diretor de Políticas Educacionais da Proifes-Federação e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Carlos Alberto Marques. Confira a íntegra da entrevista:

 Quais as principais mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio?
Antes, o modelo se estruturava em 13 disciplinas, distribuídas em três anos e com carga horária de 2,4 mil horas-aula. Agora, com três mil horas-aula, se desenvolve em dois momentos formativos: um com cerca de 60% da carga horária, com conteúdos obrigatórios comum a todos, a exemplo de Português, Matemática e Física, e o restante é uma parte flexível, com percursos optativos segundo o interesse do aluno ou uma formação técnica. Foi, portanto, pensado em oferecer cinco opções de itinerários: Matemática e suas tecnologias; Linguagens e suas tecnologias; Ciências da natureza e suas tecnologias; Ciências humanas e sociais aplicadas; Ensino técnico profissionalizante.

Como tais mudanças afetam o sistema educacional Brasileiro? 
O modelo é bonito no papel, mas na prática não funciona por uma série de fatores: Um deles é que as desigualdades educacionais na formação dos alunos devem aumentar. A grande maioria das escolas públicas do País, responsáveis por cerca de 90% do Ensino Médio, não tem estrutura para oferecer esses percursos formativos e não conta com professores com formação adequada a esses percursos. Portanto, os alunos podem sair com enormes deficiências no domínio de vários conteúdos, especialmente de ciências e humanidades. Além disso, os cinco itinerários são, na maioria dos casos, apenas uma formalidade, para dizer que as escolas estão cumprindo com a obrigação legal, oferecendo de tudo um pouco.

Seus impactos são positivos ou negativos?
Positivos, pouquíssimos. Talvez apenas o fato de a sociedade estar discutindo o que fazer com o Ensino Médio. Qual futuro queremos ou daremos aos milhões de jovens brasileiros em termos de formação educacional? Afinal, o Ensino Médio prepara os jovens para qual objetivo? Para a universidade, não é, pois apenas cerca de 25% dos jovens que concluem o ensino médio vão para a universidade. Para o trabalho, também não. Basta ver o nível de desemprego do País. Uma formação para a cidadania ou cultural?  Muito pouco, haja vista os resultados educacionais onde os alunos mal sabem interpretar um texto-problema e usar raciocínio lógico.

É possível realizar ajustes na proposta ou é necessária a revogação?
Como fazer para ajustar um modelo que produz 27 diferentes tipos de currículo nos Estados ou 1.525 disciplinas? Onde faltam professores nos itinerários formativos ou um professor de Português tem que ministrar aula de Matemática? Onde nos percursos formativos se ofereçam “como aprender a fazer um brigadeiro”, “cuidados pet”, “como se tornar um milionário” ou aulas de RPG? Em São Paulo, por exemplo, faltam professores para 17% das aulas e 37% das escolas oferecerão apenas dois itinerários formativos, mostrando que é uma balela essa história de que os alunos podem escolher o percurso formativo. Assim, defendo (como membro da Proifes-Federação e do Fórum Nacional Popular de Educação) a revogação do Novo Ensino Médio e que, por exemplo, se retorne aos Parâmetros Curriculares de 2015.

Como tem sido o diálogo com o MEC?
Não tem sido fácil. Há boa vontade em ouvir, mas também resistência em mudar. Enfim, o atual MEC reconhece o problema do Ensino Médio e abriu discussão com a sociedade sobre o que fazer, defendendo apenas ajustes. Os interesses sobre o assunto são muito grandes, cito dois, que acabam formatando o modelo: para preparar mão de obra, por isso deve ser de formação terminativa; ou pode ser visto como etapa intermediária, onde prepara para o ensino superior, num com 75% de instituições privadas de ensino superior. Além disso, há o grande interesse na produção e venda de material didático, via as fundações e institutos privados, pagos com fundos públicos. A formação de nossa juventude está em disputa, nem sempre por nobres interesses.