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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 19/08/2019 - Notícias

Documento relata as incertezas da UFG terminar este segundo semestre

Documento relata as incertezas da UFG terminar este segundo semestre

Goiânia, 18 de agosto de 2019.

Vamos começar as aulas do segundo semestre de 2019 na Universidade Federal de Goiás nesta próxima segunda-feira, dia 19/08. Começamos esse semestre com grande incerteza em relação ao futuro da universidade, do ensino superior público e gratuito e da ciência brasileira como um todo! Há faixas espalhadas pelos campi da UFG chamando atenção para o problema, algo realmente inusitado... Nesta primeira semana de aula acho importante que cada um dos professores explique aos seus estudantes, de todas as turmas e todos os cursos, a situação real pela qual passamos e a gravidade das políticas em curso. Existe uma grande campanha de desinformação e uma atitude extremamente negativa por parte do Governo Federal em relação à ciência e a educação, com ataques explícitos, o que exige de todos nós uma ação clara no sentido de apresentar a toda a comunidade universitária os fatos da forma mais objetiva possível. De forma bastante sintética, acho importante ressaltarmos três aspectos:

1) O Governo bloqueou em média 30% da verba destinada ao custeio e investimentos de todas as Universidades e Institutos Federais, o que significa que não há condições de manter com um mínimo de qualidade as atividades até o final do ano, pois não será possível pagar as despesas básicas como energia, água, internet e telefonia, segurança e limpeza, e eventualmente manutenção de equipamentos e da infraestrutura física. O salário dos professores e técnicos, tanto ativos quanto aposentados, não faz parte dessas despesas e não foi cortado ou bloqueado (e isso explica a falácia do ministro Weintraub de dizer na mídia e na imprensa que o corte foi de “apenas” cerca de 3%). Detalhes sobre esses cortes e bloqueios podem ser encontrados no “Painel dos cortes”, que pode ser acessado na webpage da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes - http://www.andifes.org.br/painel-dos-cortes/). A maior parte da pesquisa científica e da inserção social do ensino superior no país é feita nas Universidades públicas, com um elevado investimento dos Governos Federal e dos Governos Estaduais. Mas esse investimento é amplamente recompensado em termos de formação de profissionais altamente qualificados, conforme atestam as avaliações dos cursos de graduação e de pós-graduação realizadas pelos próprios órgãos e agências associados ao MEC, como o INEP e a CAPES;

2) O Brasil possui uma posição de destaque internacional em termos de ciência e tecnologia, e atualmente ocupa a 13ª posição em diversos rankings de produção científica. A maior parte do recurso para pesquisa e desenvolvimento tecnológico do país é proveniente de muitas agências de fomento, tais como o CNPq, a CAPES e as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa. Essas agências têm realizado um grande investimento em pesquisa e pós-graduação, em termos de apoio a projetos, a programas e a instituições, mas principalmente um altíssimo investimento na formação de recursos humanos por meio de bolsas de estudos que vão desde a iniciação científica até o pós-doutorado. Está havendo um corte sistemático nas bolsas em todas as agências desde o início do ano, e o CNPq em particular encontra-se consideravelmente fragilizado. Já houve um grande corte de bolsas da CAPES no início do ano e há diversas diretrizes para novos cortes e uma reorganização dos critérios de distribuição das bolsas e auxílios. Nas últimas semanas o mesmo ocorreu no CNPq, que suspendeu resultados de editais e concessão e contratação de novas bolsas. Há perspectivas de suspensão de pagamento de todas as bolsas do CNPq em setembro se não houver uma suplementação orçamentária, além de uma ameaça concreta de desmantelamento da agência, conforme carta conjunta da “Associação de Servidores do CNPq” e do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência & Tecnologia”, publicada em 16/08/2019. É importante esclarecer que essas bolsas de estudo funcionam como um “salário” (mas sem nenhum direito trabalhista...) por tempo determinado para milhares de estudantes de mestrado e doutorado, bem como para os pesquisadores no pós-doutorado, que são de fato responsáveis por muito da pesquisa científica e tecnológica no Brasil. Essas bolsas exigem em geral dedicação exclusiva, de modo que a grande maioria dos estudantes depende delas para sua subsistência. Tão sério quanto o problema financeiro é a falta de perspectivas e a frustração para esses milhares de jovens que se dedicam à ciência e a educação e que são, em última instância, a esperança de um futuro melhor para o país; 

3) Os pontos levantados acima, referentes aos cortes orçamentários/financeiros nas principais instituições e agências relacionadas à educação superior, ciência e tecnologia do Brasil, são apenas a demonstração empírica e concreta do desprezo do Governo Federal pela evidência científica em todas as áreas, incluindo saúde, educação, segurança pública, meio-ambiente e tantas outras, isso sem falar em sérias declarações e ameaças aos direitos humanos e à liberdade de expressão cultural e artística. A discussão recente sobre a validade dos dados de desmatamento na Amazônia gerados pelo INPE, um órgão de reconhecida competência nacional e internacionalmente, bem como as declarações do Governo sobre mudança climática e liberação de agrotóxicos (para citar apenas alguns exemplos...), ilustra bem essa postura anticientífica. Todas essas ações e declarações têm sido amplamente divulgadas pela mídia e pela imprensa, mas é preciso que a sociedade preste mais atenção a elas. Nesse contexto político, espera-se realmente um desmonte do sistema de ensino superior e de ciência e tecnologia no Brasil, com o objetivo claro de eliminar o pensamento crítico e racional.

Não sabemos se é possível reverter muitos dos problemas apontados acima. Temos muitas dificuldades na Universidade pública brasileira e ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de alcançar a excelência em ensino, pesquisa e extensão. Mas certamente a solução não é simplesmente paralisar as universidades e institutos federais e sufocar as instituições de amparo à pesquisa científica e inovação tecnológica como o CNPq e a CAPES, construídas e consolidadas a duras penas nos últimos 50 anos. De fato, mesmo que haja a liberação de recursos necessários para a manutenção das atividades básicas das instituições de ensino e das agências de fomento até o final do ano, as ações realizadas até agora demonstram um claro interesse do Governo em desmontar gradualmente e desmoralizar o sistema público de ensino superior, ciência e tecnologia do Brasil. É importante que todos entendam a gravidade e as consequências dessa postura anticientífica por parte do Governo Federal e, diante disso, espero que os professores universitários e pesquisadores tomem para si a responsabilidade de esclarecer a sociedade e a comunidade universitária sobre esses fatos.

Prof. Dr. José Alexandre Felizola Diniz Filho
Professor Titular do Departamento de Ecologia, Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás.
Pesquisador 1A do CNPq.
Membro eleito da Academia Brasileira de Ciências e Comendador da Ordem Nacional do Mérito.