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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 13/08/2019 - Notícias

'Quem vai investir nas universidades após tanto ataque?', questiona reitor da Unicamp

Para Marcelo Knobel, retórica da gestão Bolsonaro atrapalha objetivo do próprio governo de atrair mais verba privada

'Quem vai investir nas universidades após tanto ataque?', questiona reitor da Unicamp

Os ataques da gestão Jair Bolsonaro (PSL) às universidades públicas do país prejudicam o objetivo do próprio governo de atrair mais recursos privados para elas, diz Marcelo Knobel, reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

A avaliação é feita no momento em que o Ministério da Educação propõe o Future-se, programa que visa diversificar o financiamento das universidades federais. Entre as medidas previstas está a constituição de fundos que seriam negociados na Bolsa e teriam parte do rendimento revertido às instituições de ensino.

Presidente do Cruesp, órgão que reúne os dirigentes das universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), Knobel defende o trabalho delas, mas avalia que houve erros em alguns momentos, como demora em reagir à deterioração da economia.

As três instituições comemoram neste ano 30 anos do decreto que lhes conferiu autonomia para administrar seu orçamento --a maior parte vem de uma fração do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) arrecadado em São Paulo.

Juntas, elas respondem por cerca de um terço da pesquisa produzida no Brasil. Professor da Unicamp desde 1995, Knobel, 51, defende que elas se mantenham nesse caminho, mas apoia uma diversificação da educação superior no país, com instituições dedicadas ao ensino que não precisem fazer pesquisa.

Que balanço o sr. faz dos 30 anos de autonomia das universidades paulistas?

A autonomia foi fundamental para o crescimento das universidades, que puderam planejar o futuro. Todos os indicadores desde então são muito positivos, tanto no número de matrículas como nas publicações e na assistência. É por isso que as universidades paulistas estão entre as melhores da América Latina.

E quais foram os erros cometidos nesse período?

Há um erro de não conseguirmos comunicar o que fazemos de maneira efetiva. Houve também erro de apostar muito no passado [da trajetória econômica] e é preciso ver que a economia pode ter altos, mas, às vezes, os baixos são muito fortes. 
Nunca esperamos uma recessão tão forte como ocorreu, e as universidades acho que demoraram para responder a esse período. Então é preciso fazer análises mais conservadoras [da economia], usar o recurso com base em vários cenários possíveis.

Houve também decisões questionáveis, como a que levou a elite dos funcionários administrativos a ganhar igual professor titular na USP. Como evitar isso?

Faz parte do aprendizado. Na Unicamp, por exemplo, determinamos que todo gasto com implicação permanente tem que ser aprovado no Conselho Universitário. É preciso priorizar, ter cuidado ao fazer novos investimentos e ter núcleos de inteligência para prever a tendência da economia para usar os recursos de acordo. As universidades vêm se aprimorando nesse aspecto, também com controladorias e transparência.

Como está a situação financeira da Unicamp?

Recebemos a universidade [em 2017] com gasto de 117% [de despesa em relação à receita] e fizemos um esforço muito importante. Hoje está em torno de 102%. Porém ainda não conseguimos equilibrar as contas, e minha preocupação é que a situação da economia no país ainda é bastante preocupante.

O que estão planejando para equilibrar as contas?

Estamos com a preocupação de não aumentar o déficit, infelizmente não repor todos os funcionários e professores que estão se aposentando, que neste momento são muitos, além de rever todos os contratos. Realmente é algo que nos preocupa muito, como é que a economia do país vai evoluir.

A questão financeira é hoje a principal ameaça às universidades paulistas?

A principal ameaça, além da questão financeira, é o ambiente político. No estado de São Paulo tem uma CPI [que investiga as instituições estaduais], temos respondido todas as dúvidas e demandas, mas é um clima que não está muito favorável às universidades. Precisamos fazer um esforço grande de comunicação para mostrar a importância delas.

Como avalia a gestão Bolsonaro na educação e na ciência?

Com preocupação com os ataques e com a falta de recursos para as universidades e a ciência e tecnologia. Tenho convicção de que a comunidade acadêmica e cientifica vai mostrar ao governo a importância que tem o setor para o desenvolvimento do país. 

Qual a sua opinião sobre o Future-se? 

Ainda é um programa muito incipiente, há muitas dúvidas sobre o financiamento, e o fundamental é entender que em qualquer lugar do mundo a pesquisa e as boas universidades públicas são financiadas pelo estado. Claro que há possibilidade de outras fontes, mas a presença do estado é fundamental.

Que ponto no plano o sr. achou problemático?

A criação de um fundo, e como ele será constituído, de que maneira aparecerão os recursos...

Mas a criação em si de um fundo negociado em bolsa o senhor acha uma má ideia?

Como ideia não é ruim, mas o problema é quem financiará esse fundo depois de tantos ataques às universidades e como esse fundo não atrapalhará o investimento público.

O discurso contra as universidades afasta o investidor privado?

Sem dúvida. Não só o investidor privado mas também os próprios estudantes. Tem um discurso muito negativo contrário, vão estudar para quê? É importante colocar com clareza: a gente precisa da educação superior para o desenvolvimento do país.

Recentemente, o senhor defendeu a existência de outros modelos no ensino superior brasileiro. Pode explicar melhor?

A universidade de pesquisa é uma universidade muito cara, e a gente precisa expandir o sistema público. Uma alternativa em vários países são universidades de excelência em ensino, mas que não necessariamente façam pesquisa. E aí teríamos mobilidade para os alunos que queiram passar de um sistema para outro. Precisamos de mais alternativas no sistema de educação superior brasileiro.

Em que outros aspectos o ensino superior brasileiro pode mudar? Por exemplo, no currículo?

Temos um currículo que exige muito dos estudantes do ponto de vista de horas em sala de aula. Podemos transformar isso trabalhando com mais mão na massa, mais projetos, mais presença internacional.

O sr. tem afirmado que o teto salarial no estado reduz a atratividadeda carreira nas universidades paulistas, inclusive por ser menor que o das federais. Qual tem sido o impacto?

Já temos casos de professores que estão pedindo demissão com a falta de perspectiva de futuro, principalmente em áreas com mais possibilidade de trabalho bem remunerado, como informática e medicina. 
É sempre difícil falar disso num país tão desigual, mas tem um teto em São Paulo que é de R$ 23 mil, enquanto no federal é R$ 39 mil, o que tem implicações importantes para o futuro do ensino superior paulista. Isso precisa ser debatido com tranquilidade e franqueza.

O sr. é contra a cobrança de mensalidade na universidade pública. Como responde a quem diz que não é justo uma família pobre contribuir para que o filho de uma família rica estude na USP, Unesp e Unicamp?

Cobrar mensalidade não vai solucionar o problema. Isso se resolve com a melhoria do sistema tributário, que hoje é injusto. Se a gente melhorar, os ricos pagarão mais que os pobres. Não é na universidade que isso tem que ser resolvido, porque esse mesmo argumento então valeria para hospitais, ensino fundamental, ensino médio, o que não tem sentido algum.

MARCELO KNOBEL

Aos 51 anos, é reitor da Unicamp e presidente do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas). Nascido em Buenos Aires, veio para o Brasil com a família aos oito anos. Formado em física, é doutor em ciências pela Unicamp e tem pós-doutorado pelo Instituto Elettrotecnico Nazionale Galileo Ferraris, na Itália, e pelo Instituto de Magnetismo Aplicado, na Espanha