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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 16/09/2020 - Notícias

Universidade e fascismo: quatro lives de uma discussão necessária

Artigo de opinião da professora Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva
(Professora do IESA-UFG)

Por que discutir universidade e fascismo?

A pergunta é simples e nem por isso é facil respondê-la. Simples porque, em se tratando de universidade, toda discussão importa; qualquer questão que se impõe ao mundo social deve ser objeto de reflexão aos modus operandi acadêmico por meio das ferramentas epistêmicas nos mais diversos campos do saber. Apesar de não ser óbvia a resposta é complexa, pois ao que se sabe, vivemos uma democracia, mesmo que muitos discordem disso, na essencialidade prática. Por esse motivo a relação universidade e fascismo é uma questão que importa problematizar.

Com o intuito de levantar questionamentos em torno do cenário em que a universidade brasileira vive imaginei a organização de quatro quintas feiras para discutir o tema O papel da universidade frente ao avanço do fascismo. Infelizmente os cartazes, os cadernos de anotação, os livros que foram consultados não apareceram em forma de “papel” real. Vivemos um ano atípico. 2020 se iniciou com o gosto amargo de perdas inúmeras onde o abismo parece estar diante de nossos pés. O nosso papel está amassado, rasgado. Nossos diplomas e currículos são colocados a prova num mundo onde os currículos são forjados e registrados, num mundo onde verdade e mentira se confrontam. Um mundo de pegadinhas-verdades, deboches-reais a vida e fake news.

Antes da organização desse evento o grupo de estudos Veredas, que coordeno, se reunia virtualmente, desde o início da quarentena, com encontros semanais às terças feiras e, com a presença de cerca de 10 a 15 pessoas, alunos e professores da UFG e de outras instituições. Uma demanda particular desse grupo fez com que buscássemos o contato da Faculdade de História e assim nasceu o curso, completamente virtual, intitulado Para pensar o Brasil, ministrado pelo professor João Alberto da Costa Pinto, colega de trabalho que conheci pela tela dos nossos computadores, no contexto dessa pandemia, em abril de 2020. Embora seja abril o mais cruel dos meses, segundo Elliot, o abril de 2020 fez germinar uma relação que mistura memória e desejo, aviva agônicas raízes, ainda nos termos do poeta.

No princípio a intenção era tão somente dialogarmos sobre os autores Caio Prado Jr, Gilberto Freyre e Nelson Werneck Sodré nesse pequeno grupo. Porém a busca pela atividade cresceu e por esse motivo, com a anuência do ministrante, nos reorganizamos. Foram três quintas-feiras com o público e cinco com o grupo menor nas quais conversamos sobre esses e outros autores. Invariavelmente apareciam questões da ordem da vida política atual uma vez que estamos imersos nas mais diversas conjunturas e realidades do confinamento.

O grupo ampliado das quintas-feiras variou entre 70 e 90 pessoas na sala virtual. Essas reuniões não foram gravadas. Com o final dessa atividade e a nossa avaliação do evento percebi a necessidade de continuar com outras atividades, mantendo esse grupo inicial conectado. Coletivamente, naquela virtualidade, nos conectamos pelo interesse em comum e também por nossas carências desse espaço de acolhimento que o debate acadêmico suscita. Foi como uma janela possível de diálogo e humanidade nascendo e se costurando. Por esse motivo quando nossas vidas já estavam emaranhadas tive a ideia de organizar o evento, também provocada após assistir a uma “live” onde o professor João Alberto colocou a seguinte questão: qual era a voz da universidade diante dos acontecimentos?

Em todo esse contexto devemos nos perguntar: Quais são as vozes da universidade?

Agosto chegou e o número de 100 mil brasileiros mortos e mais de 3 milhões de casos de covid-19 é uma realidade que bate a nossa porta. Um número que assusta e indigna, assim como quando ainda era metade ou menos ainda. Antes de tudo se colocar nessa dimensão e antes ainda de sabermos o que será, iniciamos o evento em quatro quintas-feiras sendo a primeira no dia 11 de junho e até o dia 2 de julho, das 20h até as 22h.

O evento foi organizado utilizando as plataformas do sympla para inscrições e o meet para as palestras, todas gravadas e disponíveis em um canal do youtube: Programa Trajetórias Intelectuais Brasil e África. Neste canal se encontram outras atividades desenvolvidas por esse programa de extensão que reúne projetos de extensão da Faculdade de História – coordenado pelo Professor João Alberto da Costa Pinto; Faculdade de Educação – coordenado pela professora Kellen Cristina Prado Silva e do Instituto de Estudos Socioambientais coordenado por mim. Apresento uma espécie de relato das falas dos convidados as que podem e devem ser apreciadas com o acesso aos vídeos disponibilizados no youtube, onde estão sem a mediação do meu texto resumido, exposta na íntegra.

O evento se iniciou no dia 11 de junho de 2020. As duas primeiras palestras foram ministradas pelos professores Marília Gouveia, da Faculdade de Educação e João Aberto da Costa Pinto, da Faculdade de História.

A professora Marília iniciou sua fala sinalizando que estávamos vivendo um retrato das trevas, do absurdo e do inominável pelo fato de que o Brasil completava 40 mil mortes naquele dia 11/6/2020. Diante dos nossos olhos e ao longo desse evento, o número de mortes cresceu, mas as bases explicativas para o processo que assistíamos foram elucidadas pela professora, assentando sua fala na ideia de que o fascismo é uma das faces do capitalismo, mais especificamente do neoliberalismo, cujo mote é o de se manter contra tudo que pareça social a despeito do econômico.

Considerando as diversas possibilidades de compreensão nos aspectos conceituais, de leituras e tipologias do fascismo bem como entendendo que ele não se aplica a um momento específico da história humana, a professora Marília trouxe autores do campo do pensamento social e da educação como Otavio Ianni e Marilena Chauí. Não se absteve de dizer que, antes mesmo desse cenário, dessa crise sanitária que vivemos, a escola e a universidade já convivia com a criminalização, a desautorização a desacreditação de toda autoridade dos professores além de uma enorme violência manifestada na realidade da escola pública brasileira. Aponta a professora ser o papel da universidade lutar para não se afastar do seu ethos, de sua autonomia, de seu lugar como produtora do pensamento crítico.

Dando continuidade ao diálogo o professor João Alberto sinalizou os muitos ataques do atual governo as universidades públicas e sua conspiração contra esse patrimônio histórico que é, antes de tudo, lócus de produção de conhecimento de muita importância para a nacionalidade brasileira. A partir do referencial do marxista português João Bernardo o professor afirmou que o que vemos é mais do que o projeto neoliberal: “é a loucura de gestores que desconhecem a lógica elementar fundamental do capitalismo, que garante a reprodução da força de trabalho”.

O professor compreende a universidade como um aparelho de reprodução da força de trabalho, não desconsiderando o fato de que nela também seja possível produzir consciência crítica, mas vendo-a perspectivada na lógica do capitalismo brasileiro e com uma importante missão de formar trabalhadores. Assim, se reconhece como professor e trabalhador que produz outros trabalhadores, os quais vão produz novos trabalhadores, em todos os níveis. Defende que é essa uma função essencial da universidade. Sinaliza que além de todas as ameaças à universidade tem sido ameaçada por ideologias, como a paradoxal noção de multiversidade que é a ideia de que os estudantes estão no espaço da universidade para se aprofundar apenas nos assuntos que os fascinam, ou seja, um ataque neoliberal que traz uma noção de formação de conhecimento dentro de outra universalidades, fascinada pela técnica.

O contraditório se coloca diante de nós. João Alberto aponta o perigo do ethos corporativo muitas vezes presente nas bandeiras fragmentadas de lutas no interior da universidade que não dialogam e muito se desentendem. Dentre as várias questões que tocou, como os riscos da multidiversidade, a oposição consumidores versus estudantes, aponta o que considera o papel da universidade: falar a cidade, se colocar contrária a liberação do comércio, a abertura das lojas, ter uma posição de autonomia como expressão institucional da ciência e não aceitar outra palavra que não seja essa.

Na segunda semana de evento, no dia 18/6, recebi a professora Adriana Delbó da Faculdade de Filosofia e o professor Francisco Tavares da Faculdade de Ciências Sociais. Novamente tivemos cerca de 100 pessoas inscritas e ouvintes, com alguma variação nesse número, mas permanecendo até o final das apresentações e participando dos debates. Esta foi uma semana em que homenageamos o aluno Hilário, da Faculdade de Educação, um aluno Xavante que morreu de Covid no dia 18/6, ocasião em que lemos um texto escrito pela professora Diane Valdez em homenagem a este aluno e ao povo que tem enfrentado a pandemia a revelia das ações do Estado que pouco faz para preservar a sociedade ante a essa grave crise sanitária.

A professora Adriana fez a leitura de um texto no qual tocou em muitas questões.  Segundo ela, os eventos que vivemos colocam para nós desafios para além do ethos acadêmico que praticamos, assentado num fazer que tem nos autores e nas referências bibliográficas uma prática e muitas vezes nos distancia e impossibilita de olharmos para além desses lugares. Olhar além é um convite que a fala da professora coloca, além das nossas condições privilegiadas, além da nossa cor, gênero, de como praticamos a nossa existência.

Para tanto não desconsiderou que se a sociedade tem espaço para o fascismo e nós somos parte disso, ou seja, o fascismo tem facetas e nós somos parte. Provocou a todos de modo que pudéssemos assumir como participamos e escolhemos participar da vida pública social e institucional. A partir da Hannah Arendt, Florestan Fernandes, Sueli Carneiro, Marcos Felipe e tantos outros autores a professora trouxe a tona as matrizes da discussão do fascismo, genocídio e do totalitarismo. Apontou ainda que o papel da universidade é não permitir nenhuma norma que exclua qualquer aluno e formar pessoas capazes de assumir a mesma postura diante das práticas fascistas. Considerou que todos que fazem parte da universidade devem questionar normas e regulamentos que sujam as nossas mãos de sangue, ou seja, que é necessário não mais sustentarmos um tipo de democracia que dê espaço para permissividade, assumindo posturas mais ativas, de modo que nosso papel não seja apenas ficar a espreita, afeito, curral... povo que acredita em fake news. Os riscos dessa nossa coletiva falta de critério para ser governado, o problema do financiamento das campanhas eleitorais e tudo que corrói o que entendemos como democracia. Adriana conclamou a parcela do poder que fazemos parte.

Já o professor Francisco demonstrou muita afinidade e concordância com a fala de Adriana e procurou trazer a sua contribuição dentro ciência política e da filosofia apresentando que maneira a universidade como lugar de fazer inteligência e em defesa do conjunto de conhecimentos que ela produziu, na Filosofia, nas Artes e na Ciência. Ao longo da sua fala o professor disse que o tema em questão poderia ser discutido de diferentes maneiras, por meio de diferentes referenciais e que a universidade como espaço de conhecimentos é lugar central na produção de saber sempre não adquiridas de maneira fácil, mas assentados com o respaldo do método e da teoria.

No entanto é justamente esse conjunto de conhecimentos e o campo de possibilidade que temos que faz com que, nos termos do professor, seja a universidade uma máquina que debela mitos e formas de autoritarismos os quais sempre dependem de mitificações, sejam no passado ou no futuro, sem conexão com a realidade. O professor desenvolve algumas premissas para demonstrar que há uma incompatibilidade entre o que a universidade faz e o autoritarismo, ou seja, defende que a universidade como espaço do não autoritário, mesmo com a diversidade de posturas e posições que nela se encontram. Em uma das premissas que apresenta diz que o conhecimento humano/humanístico é aquele que nos constitui como seres humanos, que nos permite refletir sobre nós mesmos, esse é o tipo de conhecimento mais atacado e que se faz na chamada ciência “não aplicada”; sendo assim é impossível construir conhecimento enquanto tal sob um contexto autoritário. A universidade se definindo como tal, um espaço organizado para produção dos mais diversos modos de conhecimento, Artes, Filosofia, deve praticar as suas atividades desafiando formas autoritárias de poderes.

Diante de tantas outras questões, o professor apresenta a potência das diversidades teoréticas, metodológicas, ou seja, a universidade como casa do conhecimento produzido na humanidade inteira. Termina a sua fala resgatando o sentido do kratos presente em democracia: “fazer com que as coisas sejam realmente feitas”, “garantir a execução daquilo que se pretende executar”. O Estado brasileiro está apagado no sentido democrático, haja vista muitas ações como o encerramento de gestões importantes que naquele momento serviram de exemplo na fala do professor.

Na terceira semana, no dia 25/6 recebemos a professora Miriam Bianca da Faculdade de Educação e o professor Caio Antunes da Faculdade de Educação Física e Dança.

A professora Bianca, de modo simples, irreverente e original, começa dizendo que estarmos li reunidos era uma contradição, pois a maior maneira de defender o coletivo nesse momento é ficar sozinho: é a História colocando para cada um de nós que o social constitutivo do humano se faz incontestável. Dedicando a sua fala ao aluno Hilário que na semana anterior, conforme mencionado, morreu da Covid 19, a professora ressaltou as dificuldades que o confinamento traz com o chamado home office, humanizando-se ao dizer que muitas vezes tem feito trabalhos domésticos ao mesmo tempo em que participa de reuniões.

Bianca diz que defender a universidade como espaço de produção da ciência tem que ser antifascista. Só existe esse caminho: para fazer o enfrentamento frente a lógica neoliberal é preciso ser antifascista. Não há muros, nem lados. Há defesa da morte de maneira acintosa, de maneira clara: nesse contexto em que a universidade nos serve? Não há nesse sentido meios termos.

Ao resgatar as falas anteriores a professora demonstra que foi preciso de pandemia para percebermos que não se vive ser Arte, sem Ciência e sem Cultura. Criticou a lógica mecanicista reproduzida mesmo com inspiração na ciência positivista, criticou as disputas internas por partes de recursos como bolsas quando deveríamos lutar para que todos os projetos fossem contemplados, criticou assumirmos pedacinhos pequenos, residuais de fascismo, quando deveríamos radicalmente nos posicionar contra essa lógica de maneira clara, uma vez que está tudo muito claro para todos nós.

Não obstante, Bianca nos mostra que desde que “aceitamos” a maneira de ingresso nas universidades públicas via ENEN, onde os desiguais socialmente disputam um mesmo lugar e o menos favorecido é sempre o mais pobre, onde começa a exclusão, fortalecemos a base para que a universidade estar a serviço do fascismo. Assim os alunos trabalhadores desistem da universidade antes de entrar nela. Se excluir ao direito de tentar o acesso ao que é dele que e a universidade pública de modo que 30% das pessoas que se inscrevam no ENEN nesse ano declararam que não farão a prova, por total falta de acesso as técnicas e as tecnologias.

A convocação da professora é pela resistência. Devemos resistir a toda essa exclusão em curso, a massa de “desalentados” formada por toda essa contradição no mundo do trabalho. De modo que Bianca diz que não podemos nos colocar em dois lados: ou estamos do lado do fascismo ou da universidade pública. Criticou também a decisão do CONSUNI de retomada às aulas; convocou todos nós a nos posicionarmos diante do fato de que a maior parte dos alunos tem poucas condições de participar dessas aulas em contexto remoto. Por fim é categórica ao dizer que alimentar decisões é delas participar é estar do lado do projeto neoliberal e consequentemente fascista.

Em seguida o professor Caio Antunes iniciou a sua fala dedicando a uma criança presente na live e a Marielle Franco. Disse que, para ele, o que de fato importa não é saber se é ou não fascismo o que vivemos, mas saber o que está acontecendo, e de onde vem tudo o que estamos vivendo. As questões conceituais importam, porém ele escolhe falar do onde vem o que enfrentamos, uma vez que não daria para falar de tudo.

O professor lê um poema do destacado dramaturgo alemão Bertolt Brecht e na sequencia menciona Trotsky para uma introdução conceitual, embora não se defina como um trotskista. Diz o professor nesse trecho da sua fala que, para Trotsky, a proposito da crise de 1929, pode-se ser usado como analogia: o que nós estamos vendo, a ascensão do fascismo seria, nos termos do texto lido, resulta de uma crise econômica poderosa e a ausência de uma alternativa desenvolvida pela classe trabalhadora para confrontar a crise. Muitas vezes o fascismo se apresenta como uma resposta possível, dessa forma é importante perceber se o que vivemos hoje pode ser percebido a maneira como ocorreu no passado, quando o fascismo se colocou como possibilidade do mundo social.

O professor faz uma retrospectiva histórica com alguns marcos de referência: a cena fordista e taylorista no mundo do trabalho; a primeira guerra mundial como rearranjo entre as potências mundiais imperialistas e a crise de 1929 e todas as consequências advindas dessas questões que esboçam a crise do capitalismo. Nesses momentos de crise o capitalismo se faz de duas maneiras: a destruição de forças produtivas e a expansão de mercados consumidores. O significado disso é a criação de novas forças produtivas. Temos visto que isto tem ocorrido, novos mercados estão sobrecarregados e que as correlações de forças se tornam muito complicadas.  

O que vivemos no Brasil segundo o professor tem correlação com o fascismo e não tem ao mesmo tempo. O processo histórico está presente em outras escalas, inclusive está presente hoje em dia questões muito mais tensas do que as que fizeram o fascismo surgir no passado. Sendo assim o professor afirma sua concordância: não é possível entender o fascismo fora do capitalismo, tese iniciada pela fala de professora Marília na abertura desse evento e, por esse fato, a universidade como construção social não pode estar alheia a esse processo, não é uma bolha – mesmo que goste de achar que são -, que todos os professores são trabalhadores, todos, assim como os técnicos e terceirizados, assim como os estudantes.

Devemos assim consideram que mesmo que as concepções fascistas permeiem a universidade devemos considerar que essas condições históricas encontraram-se legitimadas pela eleição, como ocorreu com o Hitler e com o presidente Bolsonaro. As condições de vida da população são tensas e difíceis, mais do que em outros momentos da histórica a precarização e as diferenças se colocam de modo muito mais agressivos e tanto na aparência quanto na essência. Como a universidade pode fazer frente a isso? Nunca fora do processo social. A universidade deve seguir sendo o lugar do conflito e do debate, deve ser o lugar de escuta de pontos de vista diferentes, deve se fazer como universalidade. A universidade da educação remota é neoliberal que não deve comparar as áreas do saber, não pode se curvar a lógica da mercadoria. 

Enfim, no último dia de debate, em 2 de julho, tivemos a participação dos professores Ronaldo da Silva, do curso de Geografia da UFCAT e do professor Humberto Clímaco do Instituto de Matemática e Estatística, o IME.

O professor Humberto iniciou se apresentando como graduado em Matemática, mestre e doutor em Educação, sindicalista de base e militante da IV Internacional, a organização fundada por Leon Trotsky em 1938, cuja seção brasileira é o grupo O Trabalho, corrente interna do PT. Após essa apresentação, definiu o fascismo como o resultado de duas coisas combinadas: de um lado uma crise econômica; de outro, uma ausência de alternativa da classe trabalhadora para combater o fascismo, ou seja, concorda com a premissa presente na fala do professor Caio Antunes ao citar Trotsky.

Tal como a professora Marília, o professor Humberto trouxe os dados das mortes pela Covid-19 do dia, 60 mil mortes no Brasil, coincidindo com 515 mil mortes no mundo. Em continuidade afirmou que era conhecido que viria uma nova mutação desse COV mais letal, mas esta não era a preocupação do sistema da propriedade privada, dos grandes meios de produção. O desenvolvimento da ciência - uma força produtiva, para esse professor, está entravado pelas atuais relações de produção capitalistas, se desenvolve a ciência para “fins militares” (força destrutiva). Afinal, a ciência está inserida nas relações de classe, não paira acima. Ainda mais a sobrevivência do sistema capitalista depois da crise de 2008, custou mais cortes no gasto com a pesquisa científica, assim como com os hospitais, onde se intensificou a gestão privatista da rede pública.

O professor fez um levantamento da situação do mundo citando exemplos de vários lugares para mostrar que a situação de Goiás é grave do ponto de vista da prevenção e do atendimento à disseminação do Coronavírus e, com todo esse cenário, a UFG não pode ser usada politicamente pelo governo do Estado ou por qualquer governo para legitimar outra posição que não seja a de fechamento total da cidade. Humberto traz as falas dos outros palestrantes quanto à questão da luta de classes e ainda diz que o povo fez escolhas, escolheu Lula por duas vezes e Dilma outras duas, sendo preciso uma articulação como o golpe para que outro cenário se concretizasse (em resposta a falas que atribuem ao povo ser o fascista ou conivente com a extrema direita).

Trazendo o exemplo histórico do fascismo na Itália e na Alemanha o professor retoma elementos comuns nesses cenários de fascismo: A existência de um partido forte, que se torna partido único, que se confunde com o aparato do estado, e que subordina todas as demais instituições; uma crise excepcional dos partidos tradicionais, inclusive os da própria burguesia; uma derrota dos trabalhadores e seu impedimento absoluto de atuar de maneira independente e a submissão total, em alguns casos, e a destruição física, em outros, das organizações próprias dos trabalhadores: sindicatos e partidos operários. Como esses elementos o fascismo tem base social: não é como a ditadura militar do Brasil, que quando o povo, arrastado pela juventude, foi para a rua, ela caiu. É mais complexo. E não é como o Bolsonaro ou o bolsonarismo.

Discorda que Bolsonaro seja fascista, embora afirme que sua política anima grupos violentos, dentre os quais muitos têm ideologias fascistas. Entende que o próprio Bolsonaro talvez não tenha cultura suficiente para se definir como fascista, o que envolveria disciplina, ideologia sólida para coesionar sua base, e não essa coisa de brincar e ridicularizar tudo e todos, como ele faz (algo típico de outro fenômeno conhecido do marxismo: o bonapartismo). Nem fascista e nem nacionalista, mas nem por isso menos perigoso, por fazer continência para a bandeira dos EUA e não ter um só partido. Dentre tantas outras questões o professor afirma que a UFG tem uma responsabilidade de não permitir que seu nome seja usado para chancelar a política dita de “flexibilização da Quarentena” que o governador Ronaldo Caiado faz sem considerar a evolução da doença, e sim as exigências de associações de empresários e comerciantes. Que deve ir a público declarar que não se responsabiliza pelas políticas de nenhum governo.

 

O fechamento da atividade foi com a contribuição do professor Ronaldo da Silva, professor de Catalão do curso de Geografia. Ele retoma a fala do professor Humberto afirmando que se o fascismo foi um movimento de massas assim também é o bolsonarismo, que inicialmente ele foi um movimento de classe média, mas que hoje é um movimento de massa que inclusive atrai eleitores do próprio PT e do “lulismo” para si; Outra característica do fascismo é o anti-intelectualismo.

O fascismo tem assim, uma bandeira ideológica, se vinculando muito na perspectiva na prática, nas redes sociais, entre os youtubers com muitos seguidores e nas redes sociais e facebook. Esse fascismo-bolsonarista é a instituição da lei e da ordem, com inimigos internos e externos, sendo o petismo o problema central. O inimigo externo seria Cuba, Venezuela e a China comunista, sendo que o discurso sobre os dois primeiros entrem no “ideário americano” no estabelecimento da democracia liberal da América Latina. Mas em relação a China é mais complexo: pois a China e suas relações comerciais com a burguesia brasileira gera dinheiro com o qual parte dessa burguesia vá para Miami e Nova Yorque. A militância bolsonarista, para o professor, agride a China no nível ideológico, mas, ao mesmo tempo, depende dela no plano econômico. A China é o respirador da manutenção dessa burguesia no seu lugar.

 

Ronaldo retoma a maneira como, em diferentes lugares, os conservadores têm saudades do passado; o professor diz que no Brasil os conservadores tem saudade da casa grande, assim como em outros lugares essa saudade se manifesta de outras maneiras: na Inglaterra ou nos EUA. Sempre assim há socialmente uma saudade do “quartinho da empregada” e de um mundo onde os porteiros e empregadas domésticas não usam os elevadores sociais; ou seja, um recall que alimenta o núcleo conservador presente e toda sociedade que muitas vezes é maior do que só os 10 ou 15% mas pode se expandir para 30%, 40% ou 50% e até ganhar uma eleição.

 

Temos então um fascismo plantado pela lava jato e pela mídia tendo a rede globo como protagonista e criando uma perseguição fatal ao PT, o partido que estava no governo, de modo que o petista virou sinônimo de corrupção, um “novo judeu”, caçado de modo abusivo pelo aparelho judicial e pela mídia de modo que nada disso se viu antes em qualquer outro lugar. Condenações antes do acesso processual pelo advogado, ou seja, um Estado que destrói a reputação antecipadamente, mesmo se depois se prove o contrário, destroem-se reputações de muitos com apoio da mídia e da lava jato, juntos: o aparelho judicial e a lava jato plantaram a semente do fascismo no Brasil.

 

A figura caricaturesca do Bolsonaro ficou reprimida durante muito tempo. Mas ele sempre orbitou nessa esfera misógina, machista e racista. Nos governos do PT foi inegável os avanços em torno de políticas sociais. A direita já havia perdido 4 eleições com a possibilidade de retorno do Lula em 2018 e isso fez com que a direita e a Globo se unissem com objetivo de emergir um liberalismo. Ao plantar o ódio, a raiva, o ressentimento e o rancor esperavam que os eleitos fossem um Alckmim, Aécio ou um quadro mais liberal. O Bolsonaro era o mais preparado para avançar nessa quadra.

 

Todos esses elementos fizeram com que o Bolsonaro e sua inteligência política, que não é a inteligência acadêmica, emergissem com apoios diversos, inclusive de alas cristãs e conservadoras, de modo que conseguissem emplacar o seu projeto. Bandeiras como a dos Estados Unidos e de Israel são comuns nas marchas bolsonaristas. As relações diversas que os países tem mostram um país como o Brasil subserviente as investidas dos Estados Unidos, inclusive de deportar brasileiros e abrir concessões jamais pedidas.

 

Por fim o professor Ronaldo termina com três pontos: o MEC e o Ministério da Saúde não funcionam, o que é trágico diante de uma crise sanitária no que diz respeito ao Ministério da Saúde, mas parece positivo quando se trata do MEC pois impede que coisas ainda piores do que as que estão ocorrendo a propósito das universidades ocorram. O fato de os ministros da Educação até agora desconhecerem a universidade e não terem competência técnica e nem da esfera da administração pública os reduz a guerra ideológica. A falta de competência e respeito só os fazem cortar verbas e bolsas e até agora não conseguiram implementar uma política de destruição. Se não conseguimos expandir a universidade pública, gratuita e de qualidade, tão pouco também não fomos derrotados.

O professor termina a sua fala criticando ardentemente a ideologia da meritocracia e sua perversidade discurso com forte poder ideológico e muito comum entre os adeptos do bolsonarismo. Só ações de massa, de redes sociais, de rua poderão desafiar e civilizar a polícia: a sociedade precisa ser civilizada. As estátuas dos escravagistas devem ser retiradas das praças públicas, ou seja, é preciso uma intervenção social e uma abertura as periferias, as pessoas simples. Ele acredita que esse movimento deve crescer no Brasil.

 

Supondo ser possível, por fim, isolar entre parênteses esta diversidade de abordagem do tema proposto (o que retalharia o pensamento) tentando-o apreender como teoria pura, ainda assim o interesse em Marx e no pensamento social oriundo da crítica que tem nesse autor um lugar importante, permanece. Sua leitura é um exercício constante de disciplina (na acepção enriquecedora do termo) do pensamento: a necessidade de distinção entre os diversos níveis entre abstração e concreto, o cuidado necessário no trânsito entre eles – a composição de um e outro: a “abstração-concreta do valor”. É o desafio de um pensamento que se recusa ceder às fragmentações, que insiste em tentar apreender o diverso no único, que faz disso o seu projeto de mundo. Essa talvez seja a contribuição que inspirou os professores seja direta ou indiretamente ao longo de suas apresentações nas semanas desse evento.