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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 22/12/2021 - Notícias

O Globo: Presidente da Capes diz, em entrevista exclusiva, que demissão coletiva é ‘insurgência' e 'deserção’

Cláudia Toledo rebate acusações de 114 pesquisadores que saíram alegando falhas de gestão e pressões

O Globo: Presidente da Capes diz, em entrevista exclusiva, que demissão coletiva é ‘insurgência' e 'deserção’
Cláudia Toledo é a presidente da Capes Foto: LEANDRO MARTINS/LMfotografia

Após as turbulências que culminaram com o pedido de exoneração de 114 pesquisadores, Cláudia Toledo, presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), instituição responsável pela qualidade da pós-graduação no Brasil, garante ter condições de governabilidade, ao contrário do que seus opositores acreditam. Ela chama de “insurgência” uma das piores crises do órgão e desmente as acusações de que houve pressões internas para mudar o sistema de avaliação dos cursos de mestrado e doutorado ou para ampliar o ensino a distância. Oriunda do setor privado, Cláudia Toledo rebate as insinuações de que faz uma gestão que beneficiaria as universidades privadas. “Há 40 universidades sob risco de não serem recredenciadas porque não atendem ao requisito da lei que é ter quatro mestrados e dois doutorados”, dispara ela, há oito meses no cargo.

Nas últimas semanas, mais de 100 pesquisadores deixaram a Capes com críticas à sua presidência. Como a senhora classifica essa situação?

Quem saiu da Capes? Quatro coordenadores de área: física, química, matemática e engenharia III. Eles são eleitos por todos os programas de pós-graduação. Das 49 áreas, saíram coordenadores de quatro. Eles saem num momento de somatório de fatores. Depois de trabalharem na avaliação por quase quatro anos, fazendo reuniões mensais de fichas de avaliação, discutindo critérios e indicadores, eles foram confrontados por algo muito forte. Uma ação civil pública que questiona a licitude da avaliação. Fiquei num nível enorme de desgaste e imagino quem está fazendo a avaliação. A AGU fez a defesa, e a liminar caiu depois de 70 dias. Só que foram 70 dias que pareceram 70 anos. Isso desgastou. Esse tempo gerou desconfianças injustas de que a presidência não está se empenhando, a AGU está demorando. Só que foram críticas de superfície. Não há fatos, são suposições. Eu vejo como um ato de insurgência, como algo que poderia ter sido evitado.

Mas, em cartas e até em entrevistas, pesquisadores fizeram críticas à senhora e reclamaram de falta de diálogo.

Eu nunca tive dificuldade de diálogo com os coordenadores. Desde que assumi, sou muito cuidadosa com as expressões. Eu não convoco, eu convido. Agora, é diálogo, não é monólogo. A presidência não pode ser subserviente. A presidência precisa ser construtora de pontes entre os interesses da instituição, da academia e as convicções dos pesquisadores. Eu não acho que é pessoal. Há narrativas equivocadas falando sobre demora, sobre descaso. A maior interessada no andamento da avaliação sou eu. Em 15 de abril, fiz uma carta de compromisso de defesa da avaliação. Parece até que eu estava adivinhando que, sete meses depois, ia ter um questionamento sobre isso. É uma narrativa equivocada, injusta e mentirosa. É uma mentira dizer que eu não tenho compromisso ou fui leniente.

Com as tensões que vieram da saída desses pesquisadores, a senhora acha que tem condições de governabilidade na Capes?

A academia é o grande celeiro de falas tensionais, e elas aperfeiçoam o sistema. Eu me sinto com plenas condições nesse sentido. Quero crer que o CTC (Conselho Técnico-Científico de Ensino Superior) e os coordenadores de área que são eleitos democraticamente tenham o mesmo pensamento. O diálogo não acaba nunca. A presidência tem suas atribuições, que precisam ser respeitadas, o colegiado tem suas atribuições, tanto que são os responsáveis pela avaliação, por toda essa construção que está sendo questionada. A AGU vem alertando para algumas necessidades de aperfeiçoamento da avaliação desde 2019. Não é que tenha nada de errado, mas há pontos merecedores de atenção. São esses pontos que o MPF (Ministério Público Federal) está questionando. Por isso eu estranho a renúncia, o abandonar o barco. Eu jamais sairia de uma luta da qual eu mesma fiz parte, isso dá uma ideia dúbia. De um ponto, é insurgência; de outro, é deserção.

Os programas têm manifestado preocupação em relação à realização deste ciclo de avaliação. O processo ainda está em risco?

Vai haver avaliação. A reconsideração da liminar foi uma grande vitória, que achei até pouco comemorada. A perspectiva é excelente desde que a comunidade científica colabore. Os membros do CTC apresentaram um calendário que vai até 9 de dezembro de 2022. Os coordenadores terão uma avaliação para chamar de sua e com isso terão reconhecimento de toda sociedade. Temos uma grande batalha que é lutar pela divulgação dos resultados. Isso não está diretamente sob meu controle. A AGU interpôs recurso e a qualquer momento podemos ter uma notícia sobre liberação dos resultados. Há uma possibilidade de acordo com Termo de Ajustamento de Conduta. Eu sou sempre a favor do término do litígio. Quanto antes a gente terminar com essa ação, melhor.

O MP pediu ao Tribunal de Contas da União para investigar se há interesse privado se sobrepondo ao interesse público. Como a senhora recebe esses questionamentos?

Uma das preocupações que eu levo comigo de uma maneira injusta é a questão de representar interesses da esfera privada na área educacional. Eu represento aqui interesse público e interesse privado. Até porque, na pós-graduação, 80% são universidades públicas e pouco menos de 20% são privadas. A abertura dos sistemas para novos pedidos de pós-graduação interessa a quem? Isso é um direito de todas as universidades, públicas e privadas. Há universidades públicas, que são as maiores notas do país, que devem ser não só beneficiadas, mas que têm obrigação pela excelência de expandir o sistema. Há regiões do país que não têm mestrado e doutorado. Há instituições privadas que querem expandir e há um grande número que não quer e nem suportaria a concorrência de outros programas. É um equívoco muito grande a narrativa de que isso é interesse privado. Abrir o sistema para redução de assimetrias e melhora de impacto na ponta era um dos meus sonhos quando assumi a presidência. Impacto não é só o número de publicações que se faz no exterior, é mudar a vida da pessoa na ponta, onde ninguém quer ir. Há quase três anos não se abre o sistema, isso é revoltante. Há 40 universidades sob risco de não serem recredenciadas porque não atendem ao requisito da lei que é ter quatro mestrados e dois doutorados.

Os pesquisadores relataram "pressão" para emissão de pareceres de educação a distância. Houve pressão?

Recebi com muita surpresa essa insurgência, porque isso é normativa da Capes, feita com a colaboração deles, não é novidade. É uma narrativa mentirosa de que a presidência inovou nesse sentido, querendo sucatear o sistema com EAD feita sob pressão. Não houve pressão. Resistir à EAD no Brasil, um país com 213 milhões de habitantes, é uma atitude antidemocrática e pouco pluralista, que resiste à socialização da informação e do conhecimento. Agora, se o número de pedidos for muito grande e a qualidade não for a que tem que ser, quem vai julgar? O CTC. Na última oferta de mestrado e doutorado acadêmico por EAD, tivemos 17 pedidos, eles negaram os 17. Há um cenário de restrição orçamentária no país. Qual a perspectiva da Capes para o próximo ano?

Nosso orçamento é de R$3,14 bilhões. É um valor muito importante. Estamos repetindo o orçamento do ano passado. Vamos entrar em 2022 com déficit de R$803 milhões. Então, vamos recompor o orçamento via Congresso, é uma demanda do ministro Milton Ribeiro (da Educação) com o Ministério da Economia. Para atualizar o valor de bolsas de acordo com a inflação, o orçamento precisa de R$1,3 bilhão a mais. Quem não quer aumentar o valor das bolsas? Mas precisa ter dinheiro.

Quais suas prioridades daqui para frente?

Nós não conhecemos o que é o elemento humano da pós-graduação brasileira. Para mapear tudo isso, vamos formar um grande grupo de trabalho plural para, em no máximo seis meses, conhecer quantos negros, índios, pobres e mulheres estão na pós-graduação brasileira.